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25/05/2018ㅤ Publicado às 16:39

Arq. Urb. Ygor Martins

Por Ygor Martins*

No Brasil, devido à dimensão continental de terras e quantidade de habitantes, há grande diversidade de características regionais como clima, relevo e vegetação. Destaca-se também a multidiversidade cultural, que revela estilos construtivos, estéticos e culinários. Cada região do Brasil possui a própria identidade que se adaptou ao longo de anos às peculiaridades locais, e assim nasceram características únicas dos povos que habitam determinado espaço, tempo e lugar, ou seja, as características vernaculares.

Elementos vernaculares, ou elementos tradicionais, espelham características típicas da população e região, criando uma imagem honesta do povo e da cultura. A arquitetura vernacular, em consequência, é representada pelos materiais, técnicas, estilos e demais especificidades que representam a população de determinada região. De acordo com Eduardo (s.d) “A chamada arquitetura vernacular está diretamente ligada à percepção de especificidade e de diversidade e diz respeito aos modos de construir em determinadas localidades […] utilizando técnicas passadas de geração em geração.”

Ademais, no campo profissional da arquitetura, técnicas vernaculares são muitas vezes desvalorizadas e não empregadas mesmo quando possam trazer benefícios ao usuário do ambiente. Segundo Sant’Anna (2013), a pouca utilização de métodos construtivos vernaculares por arquitetos e demais profissionais da construção civil promove o antagonismo da população e dos órgãos competentes em relação à empregabilidade, o que gera preocupações quanto à durabilidade e segurança, muitas vezes causadas pelo desconhecimento técnico e não por fatos concretos.

Construções tradicionalmente erigidas por povos locais tendem a ser adaptadas para as características mais relevantes da região, como a temperatura média, a incidência pluvial, a velocidades dos ventos e demais fatores que profissionais da arquitetura levam em consideração quando projetam edifícios. Os métodos tradicionais, portanto, representam formas construtivas que, em geral, garantem o melhor resultado através da utilização de materiais de obtenção local.

Segundo Veloso (1999), as construções vernaculares produzidas sem o auxílio de arquitetos têm, historicamente, apresentado soluções inteligentes para características climáticas em diversas regiões ao redor do mundo, porém este tipo de construção perdeu espaço para o estilo construtivo internacional, baseado em vidro, concreto e aço, em meados do século XX.

Ao contrário do pensamento popular, muitos métodos construtivos vernaculares não são inferiores aos convencionais e, quando bem desenvolvidos, podem prover os mesmos benefícios e onerar menos o construtor. Numa sociedade que corriqueiramente exerce a autoconstrução, a utilização de métodos construtivos menos onerosos e de boa qualidade pode garantir ao cidadão de baixa renda o resultado desejado sem investir em valores altos que, muitas vezes, não dispõe.

De acordo com Eduardo (s.d.), um exemplo de arquitetura vernacular na região norte pode ser encontrado nos povos ribeirinhos que se adaptaram ao relevo e ao clima chuvoso, que promovem o alagamento de grandes áreas, através da construção em palafitas e da utilização de casas flutuantes, demonstrando soluções eficientes para a população tradicional não-indígena. Os métodos construtivos vernaculares se mostram, portanto, como formas adaptadas ao meio e que revelam a sabedoria popular empregada à arquitetura.

A arquitetura vernacular, porém, por decorrência do surgimento através do lento aperfeiçoamento de técnicas e estilo ao longo do tempo, se mostra engessada na forma, o que não permite inovações e aprimoramentos de elementos e, em conjunto com a tradicional utilização de elementos locais, muitas vezes exclusiva, inibe o avanço tecnológico. Para Barda (2007), a arquitetura vernacular não considera a inovação vantajosa e defende que, quando inseridos novos métodos e materiais, o vernáculo se perde e novas tendências tomam seu lugar. O estilo das construções tradicionais é único e imutável, porém a aplicação deste estilo revela resultados variados nas obras.

Cabe a nós, portanto, profissionais e estudiosos da construção, a análise e a experimentação para nos certificarmos que os diversos métodos construtivos que temos à nossa disposição se adequem aos diversos usos e necessidades que precisamos suprir. Em posse de dados que nos permitam especificar as técnicas mais adequadas aos nossos objetos, obtemos resultados de qualidade, com custos reduzidos e preservamos das características culturais da região. Respeitar as peculiaridades regionais, otimizar processos construtivos e garantir o conforto nas nossas obras são conceitos que devemos perseguir sempre. Esse é nosso papel.

*Arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR); conselheiro suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Roraima (CAU/RR).

 

REFERÊNCIAS:

EDUARDO, Agno et al. A Arquitetura Vernacular das 5 Regiões Brasileiras. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul–UFMS, p. 1-19.

SANT’ANNA, Marcia. Arquitetura popular: espaços e saberes. Políticas Culturais em Revista, v. 6, n. 2, p. 40-63, 2014.

VELOSO, Maísa. Adequação da Arquitetura a climas quente e seco: o caso da Arquitetura vernacular do sertão nordestino. 1999.

BARDA, Marisa. A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade contemporânea. 2007. 154 f. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

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2 respostas para “A empregabilidade da arquitetura vernacular no estilo contemporâneo”

  1. Jorge disse:

    Parabéns Ygor! Muito bom, seu artigo. A identidade regional refletida na forma de conceber, ocupar e construir o espaço, é o que diferencia o fazer arquitetura. A arquitetura vernacular é o reflexo dovtempo e do espaço do seu autor. É bom ver alguém pensando arquitetura e urbanismo, na sua essência. Mais uma vez, parabéns!

  2. Jorge Romano Netto disse:

    excelente Ygor!Parabéns pelo artigo. A arquitetura vernacular não faz parte da erudição,por isso não desperta interesse da maioria dos estudiosos da arquitetura e dos profissionais que atuam na área de projetos,inclusive de habitação de interesse social ou popular. Mas ela pode nos ajudar a buscar soluções simples e eficazes para o fazer arquitetônico.

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